Entre o cético e o crente, tendo a pender mais para o cético. Tento evitar generalizações e sei que minha experiência pessoal não tem relevância estatística. Dito isto, fico intrigado quando um tipo de situação começa a ser comum à minha volta. Tomei conhecimento de alguns tantos executivos, bastante próximos, que foram demitidos meses após receberem avaliações de desempenho muito boas. Isto surpreendeu por trabalharem em empresas que usam os comitês de consistência, ou seja, sua avaliação de desempenho não foi feita apenas pelo chefe direto, mas validada por um comitê de executivos mais seniores na organização e com acompanhamento do departamento de recursos humanos. Um caso especialmente forte foi o de um amigo que perguntou a seu chefe se podia pegar o novo financiamento de carro oferecido pela empresa. Segundo palavras do chefe, sua avaliação de desempenho era excelente – nada mais tranquilizador. No mês em que recebeu o novo carro, com a correspondente dívida a ser paga em quatro anos, foi demitido.
Esta situação me chama atenção por evidenciar uma grande distorção em governança corporativa. Governança corporativa é uma expressão em voga na última década. Basicamente trata-se de organizar as relações internas de uma corporação, esclarecendo papéis, garantindo o equilíbrio interno, os devidos controles e, em última análise, a máxima produtividade. O diretor de recursos humanos habitualmente é membro do comitê executivo da empresa. O comitê executivo, por sua vez, é o grupo que deve decidir o funcionamento da empresa. Em princípio, todos os diretores têm o mesmo voto em decisões colegiadas e cada um tem um peso maior em sua área específica.
Um ciclo anual de avaliação de desempenho, nos modelos mais avançados, consome um tempo e energia enorme na organização. Inicia-se com o estabelecimento de objetivos pelos acionistas ou proprietários. Estes objetivos precisam ser detalhados de forma SMART (específica, mensurável, atingível, relevante e definida no tempo) para todos os funcionários da empresa. Depois, chefes e subordinados, em reuniões cara a cara definem o que mais precisa ser desenvolvido ao longo do ano. O pensamento da moda propõe que não basta atingir os resultados, deve-se ser adequado na forma de os atingir, e isto implica desenvolver competências de negociação, foco no negócio etc. Ao menos uma vez ao longo do ano, há uma reunião de acompanhamento. Finalmente, ao término do ano, mensura-se os objetivos, avalia-se as atitudes e competências, realizam-se longas reuniões para diminuir a diferença de avaliação entre os gestores (diminuir o peso do “chefe bonzinho” versus o “chefe exigente”). Mais uma sessão cara a cara entre chefes e subordinados para discutir as avaliações.
Se você contabilizar tudo, verá que este processo tira a empresa do seu foco no mercado e nos clientes por semanas, com a convicção que este foco em seus profissionais trará ganhos. Cabe ao diretor de recursos humanos ser o defensor intransigente dos benefícios deste ciclo. Em especial, é sua responsabilidade garantir a credibilidade do processo.
Assim, quando o diretor de recursos humanos permite que todo este esforço seja simplesmente posto de lado, caindo em descrédito na organização e, em última análise, não construindo uma relação clara entre funcionário e empresa, há de se perguntar para o que ele, o diretor, existe.
Texto de autoria de João Carlos Ferreira, executivo da área da saúde, economista com especialização em marketing e coaching e um dos fundadores da FTR Desenvolvendo Pessoas.